Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Abril de 2024

Bebês esquecidos no carros por seus pais: como a lei - e a sociedade - encaram esses fatos

A advogada Luciana Boiteux explica como a Justiça age nesses casos

há 9 anos

Bebs esquecidos no carros por seus pais como a lei - e a sociedade - encaram esses fatos Mães que esquecem o filho no carro merecem uma punição? (Foto: Thinkstock)

Com uma frequência maior do que gostaríamos, vemos nos jornais notícias sobre pais e mães que esquecem seus filhos em carros trancados por horas, até que depois se lembram e retornam, quando não há mais tempo hábil para salvá-los, sendo responsáveis pela morte de seus filhos por desidratação e falta de cuidados adequados, tal como ocorreu na última quarta-feira, 17.12, quando duas crianças foram encontradas mortas nessa situação.

As causas para tal acontecimento são normalmente estresse, pressa, sobrecarga de trabalho ou mesmo a saída da rotina naquele dia. Nos casos relatados, é comum verificarmos que essa situação envolve pais ou mães normalmente amorosos e responsáveis mas que, por questões pessoais, não se dão conta, esquecem seus filhos e dessa omissão decorre o acontecimento fatal.

Juridicamente, tal conduta é tipificada no Código Penal como homicídio culposo (sem intenção), no art. 121, parágrafo terceiro c/c art. 13, parágrafo 2o, a. Trata-se de crime omissivo que ocorre quando aqueles que têm por lei obrigação de guarda ou vigilância, como é o caso de pais em relação a seus filhos, causam-lhes a morte sem intenção, por negligência, ou seja, ausência do cuidado devido em situações nas quais a conduta esperada era a garantia de zelo bem-estar de seus filhos. Em outras palavras, a morte da criança ocorre sem que os pais desejem ou mesmo antevejam tal ocorrência como possível, mas, por esquecimento, deixam de fazer o que deveriam.

Porém, a intervenção da Justiça Criminal nesses casos não tem nenhuma utilidade, eis que o resultado da conduta criminosa acarreta a seus autores uma perda e uma dor tão grandes que nenhuma pena faz sentido. Quando finalmente se dão conta do que deixaram acontecer com seus filhos esses pais ou mães ficam realmente desesperados.

Reconhecendo esse tipo de situação, na qual a pena perde qualquer utilidade preventiva ou repressiva, o próprio Código Penal prevê, no art. 121, parágrafo 5o. A hipótese de perdão judicial, da seguinte forma: “na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.” Esse é exatamente o caso aqui analisado, as consequências da infração – morte de um filho – atingem o agente de forma tão grave que a pena se mostra desnecessária. Trata-se de reconhecer razões humanitárias para se deixar de aplicar a pena.

Portanto, em casos como esse a Justiça aplica tal artigo e concede perdão judicial aos acusados, extinguindo a punibilidade, e arquivando o processo penal depois de algumas formalidades legais.

Considera-se que o perdão judicial é a forma mais correta de se lidar com situações como essas, eis que o arrependimento e a culpa desses pais que lidam com essa dolorosa perda de um filho são muito intensos, não havendo qualquer razão, ou efeito, repressivo ou preventivo, que possa justificar a aplicação de uma pena criminal a esses pais.

Não se tem notícias de qualquer distinção, em situações desse tipo, entre a resposta judicial no caso de mães e de pais, até porque os termos da lei são bem objetivos, não cabendo grande margem de discricionariedade para o juiz. Por outro lado, caberia uma reflexão sobre se a sociedade patriarcal e machista na qual vivemos não tenderia a responsabilizar moralmente muito mais a mulher do que o homem em situações como esses, eis que se atribui a ela o papel principal de cuidadora dos filhos, sendo o papel masculino tido como secundário pelo senso comum.

*Luciana Boiteux é professora adjunta de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Vice-presidente do Conselho Penitenciário da cidade.


Fonte: http://revistamarieclaire.globo.com/Comportamento/noticia/2014/12/bebes-esquecidos-no-carros-por-seu...

  • Publicações650
  • Seguidores39
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações3383
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/bebes-esquecidos-no-carros-por-seus-pais-como-a-lei-e-a-sociedade-encaram-esses-fatos/159414598

Informações relacionadas

Canal Ciências Criminais, Estudante de Direito
Artigoshá 4 anos

Se você pensa que mãe que esquece o filho no carro deve morrer na prisão, este texto não é para você

Rafaela Yokoyama, Advogado
Artigoshá 4 anos

Aplicação da pena

Jonathan Ferreira, Estudante de Direito
Artigoshá 3 anos

Art. 132 – perigo para a vida ou saúde de outrem

Renata Valera, Advogado
Artigoshá 8 anos

Embargos à penhora?

Eduardo Luiz Santos Cabette, Professor de Direito do Ensino Superior
Artigoshá 7 anos

Jogo da Baleia Azul: Tipificação Penal e Competência para o Processo e Julgamento

22 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Sim... uma tragédia na vida dos pais, onde o código penal não tem nada a ajudar... A punição que os pais sofrem com a perda do ente querido é muito maior que qualquer pena que se lhe pudesse aplicar. Os pais sofrerão o resto de suas vidas a culpa da perda do ente querido... É claro que tem que ser analisada a conduta e confirmada a fatalidade... continuar lendo

"sociedade patriarcal e machista na qual vivemos não tenderia a responsabilizar moralmente muito mais a mulher do que o homem em situações como esses, eis que se atribui a ela o papel principal de cuidadora dos filhos, sendo o papel masculino tido como secundário pelo senso comum."????????????????????papel principal de cuidadora dos filhos?????????como assim????? eu, como PAI, não exerço, nunca exercerei um papel secundário....e também a mãe do meu filho. Nenhum de nós está em primeiro ou segundo plano. O que observo e sinto na própria pelé, é uma "justiça" feminista. Com decisões extremamente favoráveis às mulheres, apesar de o homem requerer e comprovar todas as condições para cuidar de um filho. Felizmente, isso está mudando com a guarda compartilhada. E com relação ao tema colocado, é extremamente doloroso para os pais, a perda de um filho. Não justifica puni-los perante a justiça comum. Para os pais - a perda de um filho nessas condições - é trágico. É uma dor que se levará para o resto da vida; já será uma "prisão perpétua". Excelente abordagem, só discordo quando coloca o papel do pai, como sendo secundário. continuar lendo

Trata-se de uma atitude por vezes, displicente, por falta de aptidão materna/paterna relacionado a vida corrida do dia-dia, porém enxergo a
Extinção de punibilidade, pois a dor maior é a perca do filho,
mas em alguns casos, tem que se analisar se realmente foi
culposa ou dolosa tal atitude. continuar lendo

Caro colega Fernando ; neste caso não importa saber se é Dolo ou Culpa , mas sim que a dor sentida nestes casos acaba transbordando sob a possivel penalidade aplicada pelo Magistrado.
O Esquecimento , não é intencional ; e sim , um Lapso da sua memória de passar 300 dias do ano fazendo a mesma coisa , e derepente , pluft, muda-se a rotina , sem uma desaceleração do celebro.

Abcs continuar lendo

Penso que no tema proposto não está em julgamento se esta ou aquela pessoa tem ou não aptidão para a maternidade ou paternidade, e sim a punibilidade do agente que de forma totalmente involuntária, vez que o esquecimento não é algo opcional, esqueceu o filho dentro do carro.

Ora, não é necessário nem ser pai ou mãe para avaliar o dano emocional com o qual o agente será condenado a viver pelo resto da vida.

Assim, concordo que o perdão judicial, que não aliviará em nada a culpa do agente, que como já mencionado terá que conviver com esse fardo o resto da vida. continuar lendo

Acredito que a hipótese do art. 121 § 5º só se aplicaria caso quem esqueceu seja realmente pai ou tutor da criança; Não se aplica a babás ou parentes (dependendo do cas), por exemplo. continuar lendo